São sete horas da manhã e o dia amanhece sob um vigoroso céu azul. Naquela luz que só o Outono sabe trazer. Lá fora estão 7 graus, e este será o primeiro dia em que vestimos os nossos fatos de Inverno. Num dia assim, é obrigatório ir andar de mota. Mesmo que o frio nos queira dissuadir, somos lá pessoal para o deixar vencer.
Depois da habitual verificação da pressão dos pneus, o João liga a nossa RT. E o som daquele motor a ecoar no nosso pátio já dispara o coração, e desperta em mim aquela adrenalina de quem vai. Ainda não sabe bem para onde; mas vai!
Rota das Faias na Serra da Estrela surge enquanto acabo de calçar as minhas luvas. E é para lá que enviamos a localização no Garmin Zumo XT. Garmin meu, Garmin meu, leva-me para um lugar mais belo do que eu! Começo a rir de mim mesma que já acordo a dizer tonteiras naquela energia frenética, enquanto o João ainda tenta abrir a pestana. Creio que ele verificou a pressão dos pneus ainda só com um olho no manómetro. Ele sai da cama ao mesmo tempo do que eu mas acorda sempre muito mais tarde.
Duas horas é o tempo que nos separa da montanha mais alta de Portugal Continental. Escolhemos o caminho mais rápido para lá chegar, porque é por lá que queremos aproveitar a maior parte das horas de luz do dia; que agora escasseia. Mas combinamos entre nós: na chegada ao Açor, deixamos de seguir as instruções do GPS e, a cada cruzamento, vamos seguir para uma estrada onde nunca seguimos. Afinal, é assim que grande parte das vezes saímos dos lugares convencionais e conhecemos o remoto Portugal.
Entre o Açor e a Estrela, no vale do Alva
Os meandros do Alva recebem-nos livres de neblina matinal, e do alto do Açor espreita-nos o Colcurinho. Seguimos o rio pela estrada M547 nas suas mil e uma curvas com arvoredo à vista. Faias, sabugueiros, castanheiros e outras árvores que nesta época do ano entram naquelas tons entre o amarelo e o avermelhado. Um esquema de cores que se reflete nas serenas e cristalinas águas do rio.
As chuvas intensas dos últimos dias já revestiram os campos de um vigoroso tom de verde. Cruzamos as inúmeras praias fluviais que se seguem no curso do rio: São Gião, Sandomil, Penalva do Alva, etc. Passamos pontes de pedra milenares e aldeias ainda com antigas fachadas de arquitectura tradicional portuguesa. De ruas estreitas e de calçada de pedra, chega-nos por elas o cheirinho a roupa lavada da senhora que acaba de a estender sob a sua janela.



A caminho do Loriga Pass numa viagem à Serra da Estrela
Concluímos ali que temos de subir a Estrela pelo seu melhor acesso: o Loriga Pass. Aquela que é uma das melhores, e mais panorâmicas, sequências de curvas de Portugal, e da Europa! Mas vamos naquela onda do virar para onde nunca fomos?
Encontrámos o acesso a Sazes da Beira interdito. Talvez a estrada tenha sofrido danos com as tempestades recentes. Seguimos pela aldeia vizinha, Cabeça de Eiras por uma escarpada encosta revestida de vinhedos e castanheiros. No chão inúmeras castanhas parecem entregues à sua sorte, e a vontade de parar para as apanhar é grande. Decidimos não o fazer e avistamos um senhor de avançada idade que se aproxima com uma enxada ao ombro. Devolvemos-lhe um bom dia de dentro do nosso capacete que ele retribui com um sorriso. Sorriso que não sabíamos ser igual se nos apanhasse nas castanhas! A experiência diz-nos que, se realmente as quiséssemos e depois de as pedir ele as daria de bom agrado, e ainda nos oferecia uma pinguinha. Afinal, estamos em Portugal. Terra de gentes generosas e acolhedoras.
Loriga 4×4 ou talvez não
Loriga 4×4 e Cemitério são as placas que encontramos com as próximas indicações. Como assim!? Loriga 4×4 e Cemitério de RT parece-me uma combinação fatal! Voltámos às margens do Alva rindo da ironia e concluíndo que hoje, ao Loriga Pass, estava difícil de chegar.
”Subida acentuada 14% de inclinação” é a sinalética a vermelho e branco que nos alerta para a entrada no Parque Natural da Serra da Estrela. Como se isso intimidasse um motociclista! Cada que encontramos placas destas damos pulos de alegria mentais. Chegada a hora de enrolar o punho montanha acima, por aqueles quilómetros que sobem a serra em curvas desenhadas com mestria. Num pavimento perfeito que nos leva a desfilar entre a nobre paisagem granítica que a Estrela nos oferece.
Já no topo da serra, é a regueifa da Torre que nos faz parar. Encontramos alguns companheiros que viajam. Ao longe ouvem-se as possibilidades que discutem para continuar o seu roteiro. Apetece-me intervir, não vão eles precisar de ajuda e eu fico logo alerta quando ouço falar de mapas. Mas contenho-me não querendo incomodar, ou parecer abelharuca.




No topo de Portugal Continental
”Vocês são o Quilómetro Infinito” Ouço ao longe. Esquecemo-nos de lhes oferecer regueifa serrana, enquanto concluímos que afinal eles seguiam esta nossa página. Ao longo dos nossos caminhos é cada vez mais frequente conhecer-vos pessoalmente em casuais encontros. E é com grande alegria que trocamos convosco algumas palavras, com grande agradecimento por seguirem este nosso cantinho. Cantinho que alimentamos com paixão. Paixão pelas duas rodas, pela aventura, pelas estradas lindas do mundo e pela tentativa de vos conseguir ajudar a seguir os vossos próprios caminhos de sonho, sem reservas.
Pouco passava do meio dia quando voltamos à estrada N339 para descer rumo ao Vale Glaciar do Zêzere. Não importa quantas vezes ali passamos, o vale de Unhais da Serra, a Nave de Santo António, a estrada entre o túnel escavado na rocha e o vale onde nasce o Zêzere, terão sempre em si uma nova magia a tocar-nos a alma.
Ainda não me despertou a vontade de conduzir uma mota. E é nestes momentos que por vezes posso entender porquê. Despreocupada com condução, deixo-me ir ao sabor das curvas e ali é como se o meu corpo levitasse sobre duas rodas. É uma imensa sensação de leveza, liberdade, emoção. O mundo é lindo, e não é preciso ir muito longe para nele encontrar alegria, basta ir de mota.



Onde nasce o Zêzere
Paramos no Covão d’Ametade e iniciamos a caminhada que nos leva à nascente do rio Zêzere. Ali, e especialmente no Outono, estamos num dos mais fascinantes lugares de Portugal. Rodeados por uma densa mata de folha caduca, que nesta época do ano se despe em cores mágicas. Entre ela e pelos impressionantes rochedos graníticos de que a Estrela é feita, corre o límpido curso do Zêzere.
Voltámos à estrada em direcção a Manteigas e à Rota das Faias. Os incêndios do último Verão devastaram uma imensa área do parque natural, revestindo de cinzas uma grande parte deste vale. Apesar da perda irrecuperável, importa dizer que ainda assim vale a pena ali passar. Para honrar a floresta de faias que ainda se encontra com a maioria da percentagem intocada, a irradiar cor e beleza.
São quase duas da tarde e o farnel que levamos nas bagagens é a nossa opção para almoço. Afinal, se nestes dias mais curtos optarmos por uma refeição no restaurante, perdemos preciosas horas de luz. Vamos deixar um manjar mais farto para o jantar? Antes de sair, fiz duas sandes em jeito apressado com o meu pão caseiro e umas febras grelhadas na noite anterior. Parecem ter agradado ao apurado olfacto de um cão pastor Serra da Estrela, que vindo de nenhures em poucos segundos nos apareceu. Ali esteve connosco, dócil e impaciente por um pedacinho do nosso farnel. Lá conseguiu metade da minha sandes.


O outro lado da Serra da Estrela: a Norte
Seguimos para norte por uma das estradas que recentemente descobríramos: o Caminho Natural rumo a Folgosinho. Como é possível tantas vezes termos visitado a serra sem a percorrer? O sol começa a desaparecer no horizonte, devolvendo aquela cor dourada de um final de dia esplendoroso. Voltamos a subir a Estrela, de Gouveia ao Sabugueiro, aldeia mais alta de Portugal pelas curvas geniais que atravessam a encosta oeste do parque natural.
É pelo Loriga Pass que queremos voltar a descer! Lá atrás, enquanto o João dança de RT ao sabor das curvas, sinto pela primeira vez o pneu a vacilar em impecável piso. Aquela escorregadela ligeira que dita que os Michelin Road 6 GT estão a precisar de ser substituídos. Haverá melhor lugar para lhes entregar a alma ao Criador? Cerca de 16 mil quilómetros depois, uma viagem ao Circulo Polar Árctico, muitas aventuras e intempéries depois, é neste mágico final do dia que lhe prestamos a última homenagem. Venha um novo par e obrigado por todos esses quilómetros de brutal desempenho. Além do pôr-do-sol perfeitamente definido no horizonte, também a lua quis dar o ar de sua graça. Estamos a 200 quilómetros de casa, mas isso na nossa querida RT é ali ao lado.



Mapa detalhado da nossa viagem pela Serra da Estrela
Para consultar o mapa em detalhe, clique sobre ele ou utilize o canto superior direito para abrir directamente na página do Google Maps. Poderá fazer o zoom necessário para ver a rota em pormenor ou exportar para o GPS como preferir. Clicando no canto superior esquerdo, é também possível ler a legenda do mapa em detalhe. Pretende utilizar este mapa no seu aparelho de navegação e não sabe como o fazer? Consulte aqui o nosso artigo já publicado.
- Quilómetros totais: 500 km
É a primeira vez que visitas a Serra da Estrela? Não deixes de consultar o nosso roteiro completo do melhor que a Serra da Estrela tem para uma viagem de mota aqui: Roteiro de viagem de mota pela Serra da Estrela – As estradas da montanha mais alta de Portugal Continental
E de incluir a passagem por: O Caminho Natural na Serra da Estrela | Melhores Estradas de Portugal
Obrigado amigos pela partilha das vossas rotas. É um gosto ler as vossas rotas (crónicas) que já muito me tem ajudado nas escolhas dos meus pequenos passeios. Um bem haja e assim prossigam os vossos passeios ao longo da vossa vida.
Cumprimentos.
Muito obrigado pela mensagem Abel. E por acompanhar este nosso cantinho! Boas curvas para si e fico contente em saber que os nossos roteiros lhe servem de inspiração. Felicidades!
Foi um prazer conhecer-vos neste passeio. A dica da estrada da Loriga valeu a pena! Obrigado pela foto de recordação do passeio e espero voltarmo-nos a cruzar pelas belas estradas deste nosso Portugal!
Muito obrigado e igualmente! Continuação de boas curvas e excelentes aventuras 😉
👏😍✌️