Dias de chuva também trazem felizes memórias. É claro que ansiamos sempre por um confortável e iluminado dia de sol para que possamos contemplar as paisagens com outra vida. Mas, fazer as malas e partir por muitos dias significa estar preparado para as intempéries. Incluindo muita chuva e, mesmo assim, ficar contente. Especialmente se o destino for a Escócia.
Neste dia, numa manhã chuvosa e cinzenta, acordámos no coração Cairngorms National Park, na bela e selvagem Escócia. Tínhamos dormido num pequeno alojamento rural, inserido num povoado onde as casas se contavam pelos dedos. No dia anterior descobríramos que o único restaurante da região estava fechado e por isso jantar não foi opção; tendo em conta que estaríamos a cerca de 1 hora de viagem do mais próximo. Estes eram os confins da Escócia. Valeu-nos a simpatia do proprietário que nos ofereceu da sua sopa.
Pela manhã, chegava-nos ao nosso pequeno quarto o aroma das panquecas acabadas de fazer, do café e dos ovos mexidos na frigideira. Estávamos famintos!
Pela manhã bem cedo, era hora de voltar à estrada
Depois de um pequeno-almoço reforçado, chegámos à rua prontos para partir para mais um dia e o João fazia a inspecção habitual na nossa mota, debaixo da chuva miudinha que caía. As massas de calibração do pneu dianteiro tinham-se deslocado e estávamos agora a pensar onde iríamos tratar do assunto. – Não é dramático! Diz o João. Confiei nas suas palavras, afinal, não me pareceu genuinamente preocupado.
Seguimos sobre rodas, debaixo daquela chuva, e daquele céu carregado, que nos garantia que não teríamos um dia diferente. Os campos em redor eram feitos de imensas colinas de vegetação rasteira, revestidos por um verde reluzente salpicado pela chuva. A estrada ondulava entre todos eles por quilómetros de rectas que se perdiam no horizonte, e na neblina. O cheiro era de terra molhada. A nossa viseira estava salpicada e os pingos escorriam-nos pelo capacete. Costumo abrir a viseira. Gosto de sentir o ar fresco a bater-me no rosto e respirar a natureza no seu estado puro.
Ouvíamos as rodas da RT a pisar a estrada molhada deixando o rasto da nossa passagem. O ecoar do nosso motor dissipava-se no silêncio do parque natural. Era música para os meus ouvidos. O nevoeiro dava um toque misterioso à paisagem e por ali sentíamos que estávamos na Escócia que tantas vezes tínhamos imaginado. Com frio, com chuva, mas imensamente gratos por apreciar tão nobre cenário natural.

A Braemar Service Station e a resolver o problema do dia
Passados alguns quilómetros, sem nos cruzarmos com vivalma, encontramos a primeira povoação. Avistamos uma pequena oficina na saída da aldeia e o João não hesita. Debaixo daquela chuva, irrompemos por ela estacionando a nossa mota, protegidos pelo tecto da Braemar Service Station.
O mecânico inglês olhava-nos algo perplexo. Afinal, a nossa mota e os nossos fatos de chuva escorriam água para o chão e ele não estava a ver em que poderia ajudar dois motociclistas por ali. O João perguntava-lhe se ele tinha massas de calibração para substituir as deslocadas, explicando-lhe que as colocaria no mesmo sítio e a coisa resultaria. Ele esbugalhava os olhos dizendo que era incorrecto e que não seria possível. O João pôs mãos à obra e tratou do assunto, sob o olhar desconfiando de um inglês pouco habituado a desenrascar-se como um português. Uma libra (uma libra?!) depois a conta estava paga e a RT de volta à estrada. Aquela foi a última oficina que viramos pelas semanas que se seguiram.
A entrada na rota das destilarias escocesas

Estávamos na rota das destilarias do whisky da Escócia e pelo caminho visitámos o Castelo de Balmoral. A residência oficial de Verão da rainha D. Isabel II de Inglaterra. Ficámos-nos pelos jardins do estilo vitoriano e algumas enormes salas cheias de obras de arte. Não vimos a rainha.
O destino final do dia era o misterioso Loch Ness, a alguns quilómetros de distância, e a chuva não parecia querer dar tréguas. Pelo caminho ainda teríamos de visitar uma das mais antigas destilarias escocesas: Strathisla distillery, Home of Chivas. Apesar de não apreciarmos a bebida, apreciámos o tour pela tradicional fábrica e toda a explicação detalhada sobre o seu processo de fabrico. Por lá passámos algumas horas. Pelas pequenas janelas da fábrica, espreitávamos entre os quadradinhos a nossa mota ao longe estacionada, nuns luxuriantes jardins, com a chuva cada vez mais forte a cair-lhe em cima.
Era quase final de dia e ainda tínhamos 100 km de chuva forte pela frente. Com a proximidade ao Loch Ness as gotas caíam-nos em cima com mais força e a estrada ficava mais repleta de água. O cansaço começava a falar mais alto, mas apreciar o fantástico local que percorríamos era obrigatório. Agora a viseira do capacete já não podia estar aberta e eu enrolava-me lá atrás para não apanhar tanta água. Mas chegaríamos em breve à nossa cabana à beira do Loch Ness, o nosso refúgio por dois dias em Fort Augustus.
Enfim no Loch Ness
O nosso equipamento tinha cumprido a tarefa de nos manter quentes e secos. Estávamos agora no conforto pitoresco de uma pequena cabana de madeira, a improvisar um estendal para secar os fatos para o dia seguinte. Íamos em breve comer um hamburguer ao pub lá do sítio.
Como conseguem andar de mota ao chuva e ao frio? Bem, hoje neste dia de chuva, quem me dera estar a andar de mota como neste dia pelas Terras Altas.
Esta é uma das muitas memórias de viagem que trouxemos da nossa grande aventura em duas rodas pela mágica Escócia. Para mais detalhes, informações, mapas detalhados e toda a informação já partilhada no blogue clique aqui.
🗺 Memórias de viagem: Viajar em dias de chuva pela Escócia
Dias de chuva também trazem felizes memórias. É claro que…
Publicado por Quilómetro Infinito em Segunda-feira, 20 de abril de 2020