No coração do Parque Nacional Gran Paradiso, em plenos Alpes Italianos, o Colle del Nivolet é um dos tesouros mais bem guardados de Itália. Assim o garantem as imponentes montanhas que o resguardam, deixando-o isolado do mundo na sua subida rumo aos 2612 metros de altitude. É uma das estradas mais altas da Europa, e uma das mais belas para percorrer de mota.
O Colle del Nivolet era aquela estrada que há anos queríamos percorrer, e há anos que nos andava a escapar. O facto de ser um longo percurso sem saída, obriga a retornar pelo mesmo caminho, e a ele destinar muito mais tempo num roteiro. Parte do Valle D’Aosta, por onde mil e uma atracções se podem optar, decidimos que desta vez não passávamos por Itália sem percorrer todos os quilómetros do mágico Colle del Nivolet.


Sobre o Colle del Nivolet
Localizado no maciço alpino que traça a fronteira natural entre França e Itália, o Colle del Nivolet termina sem ligação viária ao país vizinho. Tamanha é a altitude que seria necessária vencer para o fazer. Do outro lado, estão os Alpes Franceses, e a não menos espectacular estrada que ali o atravessa o francês vale D’Isere: Col de L’Iseran. Mas por agora, é por terras italianas que dedicamos uma viagem de mota.
O Colle del Nivolet é o percurso com cerca de 40 km de extensão que acompanha o vale do rio Orco, no Norte de Itália. É uma das etapas do Giro de Itália, e está escondido nas montanhas integradas na área protegida de Gran Paradiso.
Para o percorrer, tomamos o rumo à estrada SP460 em Pont Canavese, em Piemonte, até encontrarmos a SP50 em Ceresole Reale, no Vale D’Aosta. É a partir dela que a verdadeira diversão começa, e o traçado curvilíneo se acentua.
A estrada SP50 serpenteia por cerca de 30 km que conduzem a uma subida de mil metros de altitude até ao topo. Lá, estão os dois lagos artificiais Serrù e Agnel utilizados para alimentar a barragem hidroelétrica existente. A estrada continua após a barragem. Termina no Refúgio Albergo Savoia, num trilho de alta montanha que nos convida a continuar em botas de caminhada.


A subida ao Nivolet
A subida ao Colle del Nivolet surpreende a cada quilómetro com as diferentes paisagens que por lá se sucedem. Inicialmente, num percurso altamente arborizado até que uma vasta pradaria se abre aos nossos olhos. Ali, vacas e cabras alpinas pastam livremente. Numa paisagem pontilhada por numerosos lagos e turfeiras, alimentadas pelo rio Orco que nasce no vale glaciar. Cascatas, picos de montanhas e a vida selvagem ali adornam uma paisagem de contos de fadas.
Entre o verde intenso das colinas montanhosas, destacam-se o amarelo e o púrpura das pequenas flores silvestres. No Verão salpicam a paisagem. Com o ganho de altitude, a estrada atinge os 10% de inclinação, é ladeada por lagos alpinos e mais de 30 curvas fechadas. O facto de ser uma das menos visitadas estradas alpinas, faz-nos ali esquecer o mundo e concentrar na coisa mais importante naquele momento: a audácia de percorrer de mota aquele lugar.


O Colle del Nivolet é uma estrada sem saída
Já desconfiávamos que subir esta estrada dos Alpes Italianos, e ter de descer pelo mesmo caminho, não seria sacrifício. Mas estávamos longe de imaginar o espéctaculo que a natureza ali tem para nos proporcionar. Entre montanhas nevadas e lagoas verde esmeralda, o Colle del Nivolet é a sinuosa estrada que conquista a montanha num traçado soberbamente curvilíneo. De amplos horizontes onde todos eles nos levam admirar o relevo fortemente acidentado que nos rodeia. A embrulhada de montanhas que por ali aflora, toca o céu e toca a alma.
Somos levados a abrir a viseira do capacete. Mesmo que o ar lá fora seja gélido em pleno Verão. A emoção de fazer parte de tão mágico percurso deixa-nos de olhos vidrados de emoção. A natureza é bela e soberba. O ecoar do nosso motor é o som da liberdade que associamos ao prazer de conhecer tão esplendorosos percursos. Quando o desligamos, são as marmotas que nos espreitam das suas tocas que rasgam o silêncio da montanha. O simpático animal que por ali nos acompanhará. Não deixamos o Colle del Nivolet sem por lá parar com tempo. Tempo para apreciar o mundo a nossos pés, e agradecer por tão nobre paisagem.

Dicas de viagem
♦ Como a maioria das estradas de alta montanha, durante o período de Inverno encontra-se encerrada devido à neve. O Verão (entre Junho a Setembro) será a altura ideal para uma viagem de mota com a certeza de que poderá desfrutar da passagem pelo Colle del Nivolet. Os detalhes sobre a abertura podem ser consultados na véspera aqui..
♦ Para outro tipo de informações práticas, gerais à maioria das estradas alpinas, partilhamos tudo aqui.
♦ O percurso de ida e volta do Colle del Nivolet ronda os 120 km para um tempo de condução aproximado de 3 horas. Para encaixar a passagem nesta estrada no nosso roteiro de viagem de mota pelos Alpes, optámos destinar uma tarde inteira à região, pernoitando numa das aldeias iniciais do percurso. O alojamento eleito, com parque privado para a mota, simples e com pequeno almoço, foi o B&B Valle Orco.
Crónica de viagem no dia em que subimos ao Nivolet
Numa manhã do mês de Junho durante o nosso roteiro de viagem de mota entre os Balcãs e os Alpes, chegámos ao vale D’Aosta depois de uma etapa de auto estrada vindos de outra região. A entrada no Vale Orco leva-nos a encontrar nas aldeias deste vale alpino uma Itália diferente da até então percorrida.
Vindos das reluzentes Dolomites, com toda a sua riqueza natural, aldeias preciosamente cuidadas, com casas de fachadas de cores vivas e canteiros floridos, é com algum desânimo que por ali encontrámos um diferente ambiente. Mais pobre e de casario menos vistoso, a única semelhança é o facto de igualmente se inserirem em paisagens naturais de grande beleza.
Dou por mim a comentar com o João que é provável que o facto de há menos de um século, toda a região das Dolomites incorporar o Império Austro-Húngaro, é capaz de explicar o ambiente mais cuidado, e de maior riqueza que ainda hoje ali se nota. A herança cultural e arquitectónica que apesar da mudança de domínio, permanece nos povos que por lá ficam.

A entrada no Parque Natural Gran Paradisio
Chegamos ao B&B Valle Orco. Localizado na entrada da estrada que termina no pico de Nivolet, pareceu-me a ideal localização para por ali pernoitar. Por lá paramos para deixar as bagagens, e seguir montanha acima de mota mais leve. Somos recebidos por uma cabra, dois burros e três cães que nos cumprimentam vigorosamente, cada um com a sua linguagem. Abro o pequeno portão que veda o quintal para que o João possa passar com a mota para o interior. Todos eles seguem atrás da RT em género de procissão. Em momentos, chega-nos a senhora atrapalhada, não nos esperava tão cedo, e tinha o gado todo à solta!
– Sem problema. Digo eu já agarrada à cabra e com os cães à minha volta, rindo sem parar. Recomenda-nos a pequena Trattoria La Falesia del Bosco, lá ao lado para uma boa refeição. Acedendo à sugestão lá vamos nós comer um penne al ragu e um panna cotta para sobremesa. Mal colocamos o pé fora do pequeno restaurante, o céu desaba sobre nós com chuva e trovoadas. Do pequeno alpendre onde nos abrigamos, só vejo a nossa RT lá ao fundo, estacionada debaixo de uma árvore solitária, e imaginando que talvez não seja o melhor lugar para ela estar agora. João… isto para subir à montanha está convidativo! Digo eu, com ironia.
A Colle del Nivolet non piove
A nosso lado está um senhor que podia ser meu avô, que compreendendo a conversa nos diz olhando para a montanha: – A Colle del Nivolet non piove! Repete a frase duas vezes, olhando novamente para a montanha para se certificar. Decidimos confiar, afinal os cabelos brancos daquele senhor já valem a confiança. Mas a verdade é que iríamos de qualquer forma. Se há coisa que aprendemos é a não confiar em previsões meteorológicas, e que o clima na montanha é surpreendente.
São cerca de 50 km até ao topo e o nosso Garmin Zumo XT prevê que chegaremos em pouco mais de uma hora. Nos quilómetros iniciais, avançamos pelo vale alpino com as montanhas nevadas no horizonte. Entre chuviscos e raios de sol, entre zonas de piso seco e outras onde se vê que ali caiu água a sério. A estrada está repleta de água em algumas zonas e o pavimento não pode brilhar mais. Mas a nossa RT tem calçados os Michelin Pilot Road 4GT, e não há pneu que nos transmita mais confiança em piso molhado do que esses. A subida abrupta inicia-se em 6 curvas em cotovelo sucessivas. Uau! Isto começou a subir a sério. Digo eu ao João que já está em modo concentrado.

As marmotas que nos vigiam
É quinta feira e o movimento em redor é praticamente inexistente. As vacas pastam nas colinas e as cabras alpinas vêm-se em rebanhos à beira da estrada. Com o ganho de altitude, são agora os sons das marmotas que ecoam naquelas encostas. Elas trabalham em equipa. Em cada ponto alto, diria que meticulosamente distanciadas, existe uma que está de vigia. As que estão de serviço, mantêm-se imóveis de olhos postos em nós, todas as outras escondem-se nas centenas de tocas que por lá existem.

Aninhado num gigante anfiteatro natural, onde os glaciares em redor formam lagoas de verde esmeralda cristalino, avistamos o sinuoso traçado do Colle del Nivolet que ali sobe montanha acima até aos 2612 metros de altitude. E não é que não chove? Por entre uns salpicos inofensivos, a neblina existente é levada ao sabor do vento, e em poucos minutos ora espreita o sol, ora fecha o horizonte. Estamos agora naqueles momentos iluminados por uma luz imprevisível característica dos dias entre a chuva e o sol. E as montanhas são sublimes.

Chegara a hora de descer, pois o dia já vai avançado. É ao cair da noite que depois de muitas paragens chegamos por fim ao B&B Valle Orco.
A noite em Vale Orco, Colle del Nivolet
Umas horas depois de termos ido para a cama no B&B Valle Orco, acordámos com uma espécie de tremor de terra. Os cães ladravam loucamente e juro que a mobília começou a vibrar, os pratos a tilintar, e suspeito que também a RT estacionada no descanso lateral deu uma abanadela. Pouco passava da uma da manhã quando saltámos da cama para entender o que se passava em redor. Devo pôr o capacete ou não devo pôr o capacete?! Vai cair alguma coisa!?
Espreitando da janela do nosso quarto, avistamos o contraste entre a escuridão da montanha e um foco de luz que se aproxima, à medida que um barulho metálico se torna mais intenso. São vacas! Às centenas! Estão em plena estrada, com um passo ritmado que provoca uma enorme vibração, e com os chocalhos a abanar. Em média com 500kg cada uma e com 4 patas façam as contas. Que coisa espectacular! É a transumância do gado.
O ritual medieval que leva os pastores a transportar os seus animais para as pastagens de montanha duas vezes por ano. Uma no Verão, e que nós tivemos o privilégio de assistir, e outra no Inverno quando a alta montanha se cobre de neve. Estão a caminho do Colle del Nivolet e ainda lhes restam cerca de 30 km de viagem. A elas e aos pastores que as guiam noite a dentro. Bravo! Lamento informar, mas naquele dia subiu ao Nivolet teve material escorregadio na estrada.
Mapa detalhado do Colle del Nivolet, Alpes Italianos
Para consultar o mapa em detalhe, clique sobre ele ou utilize o canto superior direito para abrir directamente na página do Google Maps. Poderá fazer o zoom necessário para ver a rota em pormenor ou exportar para o GPS como preferir. Clicando no canto superior esquerdo, é também possível ler a legenda do mapa em detalhe. Pretende utilizar este mapa no seu aparelho de navegação e não sabe como o fazer? Consulte aqui o nosso artigo já publicado.
Paisagens fantásticas. Obrigado pela partilha do roteiro.
Sem dúvida, vale muito a pena conhecer! Boas curvas 😉