Portugal enche-nos de motivos para sair de casa. É a conclusão a que sempre chegamos naqueles dias em que temos apenas um fim de semana livre, mas gostaríamos de ir mais longe e não temos tempo. Naquela falsa ilusão de que só assim vamos ver coisas novas. O quê? Novamente toda a parafernália de bagagem e equipamento para ir outra vez numa viagem de mota pelos vales dos Rios Côa, Douro e Távora?! Já lá fomos tanta vez! Digo eu, em tom de impaciência ao João quando ele insiste que vamos visitar o Norte de Portugal outra vez.
É essa insistência que me empurra para os meus mapas, e me relembra que não devemos ter a audácia de achar que conhecemos todo o nosso país. Haverá sempre muitas mais estradas, muitos mais monumentos, muitos mais restaurantes e muitos mais lugares pelo caminho, que nos farão regressar de uma rota de viagem de mota de coração cheio de novidades.
Neste roteiro, preocupei-me apenas em escolher uma boa maioria de estradas novas, sem dar importância se seriam boas ou más. Seriam apenas novas para nós. Adicionei ao caminho todos os lugares de interesse há muito marcados no meu mapa, e descobri outros tantos numa rápida pesquisa. Surgiu uma rota de cerca de 800 km e dois dias de viagem pelos vales do rio Côa, Douro e Távora.
Este é o roteiro prometido, que recomendamos seguir num fim de semana em território nacional. Desfrutando de maravilhosos e pitorescos lugares, estradas fantásticas, praias fluviais e uma suculenta gastronomia.


De mota pelos vales dos Rios Côa entre a História e a Pré História
Já sabem que temos a crescente tendência para visitar lugares da Pré História, do Megalítico, Arte Rupestre, Romana, Românica e todos e quaisquer períodos que enriqueçam as nossas rotas com História e Arqueologia. Uma anta nunca será para nós só um monte de pedra. Umas ruínas romanas nunca serão para nós vários montes de pedra. Serão sempre lugares marcantes, instalados nas mais belas paisagens da região, repletos de um passado de interesse infinito, carregados de energias que nos fazem recuar no tempo, e imaginar como seria a vida outrora. Lamentamos apenas o facto de se encontrarem tão entregues à sua sorte, e tão desprovidos de atenção e divulgação.
Seguimos para o nordeste de Portugal, e uma das nossas zonas preferidas do país. Naquele interior mais remoto, feito de imponentes montanhas onde a cada estação novo espectáculo nos aguarda, há sempre uma rota de belas estradas a percorrer. No início da Primavera florescem as amendoeiras e no Outono os vastos vinhedos enchem-se de folhas de cor de fogo. Com a chegada do Verão, juntam-se as cerejas ao roteiro com aquele sabor de fruta acabada de colher, num cerejal ali ao lado. Doces, suculentas e na perfeita consistência. Se viajam entre o mês de Maio e Junho, levem espaço nas bagagens; e na barriga.
Roteiro de viagem de mota pelos vales do Rio Côa, Douro e Távora
Estação arqueológica de São Gens
Seguimos pelo caminho mais rápido desde a Batalha até Celorico da Beira. E é na Estação Arqueológica de São Gens que fazemos a primeira paragem. Mas alguma paciência é necessária, e olho bem aberto, para seguir as tímidas placas de sinalização que identificam lugares assim. Como já fazia parte do nosso roteiro antes estudado, o nosso Garmin Zumo XT dá-nos uma preciosa ajuda nessa parte. Seguimos por caminhos fora de estrada. Cerca de 2km é a distância aproximada a percorrer por um estradão simples a partir da estrada pavimentada.

Até que, num descampado imenso, mas com vista para Serra da Estrela no horizonte, se destaca um aglomerado rochoso de peculiares formações. A seus pés, as ruínas de uma antiga cidade romana, em torno de uma necrópole antropomórfica com mais de vinte túmulos escavados na rocha. Acredita-se que este local tenha sido ocupado entre os séculos I e II. E mais tarde entre os séculos XII e XIII.
A necrópole é uma arquitectura funerária, com um formato de cavidade correspondente à cabeça e suporte de ombros. Localizadas num cenário natural fantástico para o nascer e o pôr do sol. Perto destas sepulturas destaca-se também o Penedo do Sino, um bloco granítico modelado pelos agentes de erosão, muito conhecido por se encontrar num estranho e belo estado de equilíbrio.




Castelo de Trancoso
Seguimos para norte continuando sempre pelas pequenas estradas fora dos acessos principais, e o rumo leva-nos a Trancoso. A dimensão das muralhas que se agigantam no centro histórico da cidade obriga-nos a voltar para trás e parar. A cidade antiga é um conjunto fortificado com numerosos monumentos no seu interior. O castelo, a jóia da coroa e muitas recantos históricos de arquitectura civil e religiosa. As igrejas paroquiais de Santa Maria e S. Pedro, a Casa dos Arcos, a Igreja da Misericórdia, a Casa do Gato Preto, um Pelourinho manuelino e um antigo edifício do Bairro Judaico. Trancoso lembra-nos que merece uma visita com mais tempo, fora do fato de motociclistas.


Necrópole de Moreira de Rei
A curtos quilómetros de Trancoso, Beira Alta e Centro de Portugal, está a pequena aldeia de Moreira de Rei. E quem passa nos arredores, jamais ali imaginaria a descoberta de uma necrópole com mais de 600 sepulturas antropomórficas em redor de uma igreja românica. A Necrópole de Moreira de Rei é considerada a maior da Península Ibérica, e é datada dos séculos VIII a IX e XII a XIII. Visitámos recentemente a Cantábria e a rota espanhola do Românico Palentino, mas só hoje soubemos que Portugal a supera em lugares desta dimensão. Infelizmente, não com tanto destaque internacional.
Os túmulos de adultos e crianças estão dispostos em redor da Igreja de Santa Marinha, e são neste momento alvo de requalificação por uma equipa de arqueólogos. Uma visita ao local é recomendada para poder testemunhar em primeira mão as centenas de túmulos da antiguidade escavados na rocha granítica. Moreira de Rei foi construída sob um pequeno promontório rochoso, com largas vistas para o planalto em redor e ainda ostenta as ruínas das muralhas do seu antigo castelo. Pelas ruas de pedra da aldeia, agora de fachadas devolutas, entendemos de imediato porque alguém ali encontrou um local maravilhoso para a sua última morada neste mundo.

De mota pelos vales do Rio Côa, Douro e Távora
Miradouro da Faia
Lembram-se que estamos num roteiro com objectivo de conhecer novos lugares? Passamos pelo mágico Castelo de Marialva, a pequena aldeia de Meda e muitos outros lugares que complementam o roteiro Pré Histórico da região de Celorico da Beira e Fornos de Algodres. Já visitámos todos e por isso não parámos, mas se é a primeira vez na região recomendamos que sejam incluídos neste roteiro.
Seguimos para o planalto de Pinhel, para a entrada em Trás os Montes no vale do rio Côa. E é o Miradouro da Faia Brava que está no próximo ponto de paragem.
Vindos da aldeia do Juízo e desconhecendo por completo qualquer acesso ao Miradouro da Faia, deixamo-nos guiar pelos caminhos agrícolas que vimos através do Google Maps. Sabemos que estará ali algures naquela direcção a partir do acesso pavimentado entre o Juízo e Cidadelhe. Entre os olivais, amendoais, vinhedos e muitos campos agrícolas contornados por muros de pedra, fazemos alguns quilómetros fora de estrada seguindo apenas um rumo aproximado na tentativa de encontrar o Miradouro da Faia.
Não é que afinal havia acesso por estrada? Basta partir de Madalena, a pequena aldeia nos arredores e seguir até a devoluta aldeia da Faia. Afinal, mais de uma hora entre caminhadas e voltas fora de estrada, chegámos por fim ao último lugar pavimentado para visitar o fabuloso miradouro. Não antes de mais uns belos 600 metros de caminhada, a descer!
Chegados ao Miradouro da Faia, o curso do rio Côa avista-se do topo da colina, numa deslumbrante paisagem intocada. Os degraus metálicos da escadaria recém construída, criam uma plataforma transparente para apreciar o rio Côa a mais de 200 metros de altura.

No vale do Côa no seu caminho para o Douro
Já não se consegue imaginar um sem o outro quando se ruma ao Douro Internacional. Falo dos rios Douro e Côa. O Douro atravessa Portugal de Este a Oeste na região Norte, mas vindo de Sul, está o Côa cujo o nome se tornou internacionalmente conhecido.
O Côa é um dos afluentes do Douro e, no fim do seu curso, encerra o seu vaste vale num deslumbrante ciclo artístico. As formações rochosas que delimitam o seu leito, e nos apresentam mágicas estradas para andar de mota, foram-se convertendo milénio após milénio em painéis com milhares de gravuras rupestres que são a Arte da Pré- História. Falamos do Parque Arqueológico do Vale do Côa inscrito na UNESCO como Património da Humanidade.
É nos arredores de Vila Nova de Foz Côa que terminamos o primeiro dia deste roteiro. E qualquer uma das sugestões de alojamento se encontram boas opções Casa de Santa Cruz, Felgar para um ambiente de maior requinte e piscina. Casa dos Primos, Muxagata para um ambiente familiar e muito acolhedor. Com um pequeno almoço de produtos locais maravilhosos.

Dica para a região:
Um pequeno desvio a esta rota vale a pena se ainda nunca percorreram as curvas fabulosas da estrada que sobre as encostas rochosas que delimitam o imponente Vale da Vilariça:
A Estrada M611 em Torre de Moncorvo. No capítulo das melhores estradas de Portugal
Senhora da Ribeira
Do outro lado do Vale da Vilariça, o rumo leva-nos a Oeste, e é para lá da Foz do Sabor que encontraremos o Douro mais além. Cabeça Boa, Cabeça de Mouro e Lousã são as aldeias que se seguem. Unidas por uma espectacular e sinuosa estrada, repleta de curvas desafiantes que ganham altitude por entre os socalcos de amendoais, olivais, cerejais e muitas outras árvores de fruto que adornam a paisagem. Mas é na descida de Lousã para o vale do Douro, que uma das mais maravilhosas e remotas estradas de Portugal se encontram.
Chamam-lhe a Senhora da Ribeira, e por vários quilómetros acompanha o curso do Douro à beira rio. Entre vinhedos e laranjais num percurso ribeirinho de sonho que tivemos a sorte de nos ter sido apresentado por um amigo transmontano.

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N323 Vale do Távora e o Mosteiro de São Pedro das Águias
Atravessamos o Douro na barragem da Valeira. Por entre os socalcos de vinhas que fazem parte do Património Mundial da UNESCO, uma ida ao Alto Douro Vinhateiro é sempre uma grande lembrança de que Portugal é um país de sonho para andar de mota. Entramos na N222 uma vez mais para rumar ao vale de outro afluente do nobre Douro: o Távora.
A entrada no Vale do Távora é feita pela curvilínea N323 que segue em altitude o curso do rio a seus pés. Formações rochosas fantásticas, e uma abundante vegetação adornam uma paisagem idílica para lá das rotas mais conhecidas da região. Estamos de olho na visita ao Mosteiro de São Pedro das Águias, e é com muitas dúvidas acerca dos seus acessos que avançamos pelas profundezas da floresta que nos rodeia.
Um templo românico: Mosteiro de São Pedro das Águias
Saímos da N323 na aldeia de Granjinha, para uma pequena e estreita estrada que desce a montanha gradualmente. No fim do percurso, num privilegiado lugar à beira do Távora, está o pequeno Mosteiro São Pedro das Águias. Um templo românico alcandorado numa escarpa sobranceira ao Távora. Cuja remota localização lhe conferiu o estatuto de eremitério construído pelos monges beneditinos e posteriormente cistercienses.
Um dos mais belos monumentos da arquitectura românica portuguesa, cuja insólita implantação em tão desnivelado penedo granítico lhe confere uma arquitectura peculiar. A entrada principal é feita por entre um pequeno acesso entre a parede rochosa e um arco ricamente decorado. Com a extinção das ordens religiosas no século XIX, ficou ao abandono e só recentemente foi restaurado. A curtos metros de caminhada do local, está a Praia Fluvial da Granjinha a apelar a um mergulho nos dias quentes.
Em torno do mosteiro, encontramos sepulturas antropomórficas construídas em rochas amovíveis. Sem enquadramento histórico ou possibilidade de entrada no monumento, ficamos apenas a imaginar quais antiga poderá ser a ocupação deste lugar e quantas pessoas o escolheram para viver, e por lá morrer. Porque é a localização panorâmica garantida que nos leva a lugares assim, e essa tendência nunca nos desapontou.
Quem chega por acaso à hora de almoço à Taverna A Tarraxa?
Quis o destino que o regresso à N323 nos guiasse à aldeia de Sendim na hora de almoço, no vale do Távora. A Taverna A Tarraxa é conhecida pela fama do seu proprietário: o Engenheiro da Picanha. Um lugar que jamais ali imaginámos e onde fomos ter seguindo o cheiro a carne assada que se faz sentir a poucos metros do acesso principal.
Num ambiente tradicional, em torno de muita carne, muito vinho e muita comida tradicional, sentamo-nos numa das mesas partilhadas de uma taverna tipicamente portuguesa e nortenha. Para uma farta refeição em torno de risadas e do garrafão de aguardente que corre as mesas à descrição. Nós não bebemos lembram-se? Sobrou mais para vocês.
Depois de tamanha refeição, os planos para a caminhada em torno da Albufeira de Vilar ficaram para depois. E porque este é um roteiro para apenas dois dias disponíveis, a sesta ficou para o final do dia depois do regresso a casa pelos caminhos do Centro de Portugal. Há muitas rotas diferentes pelos mesmos lugares, e o nosso roteiro pelos vales dos rios Côa, Douro e Távora foi a prova disso mesmo. Boas curvas!
Dica para a região:
Se tem mais dias para um roteiro pelo Norte de Portugal, compatibilizar esta rota com a nossa anteriormente publicada pelo Douro Internacional:
Sugestão de Alojamento
- Casa dos Primos, Muxagata
- Casa de Santa Cruz, Felgar
- Eira da Fraga, Vila Nova de Foz Côa
- Casa Dona Ana, Carviçais
Mapa do percurso pelos vales dos Rios Côa, Douro e Távora
Para consultar o mapa em detalhe, clique sobre ele ou utilize o canto superior direito para abrir directamente na página do Google Maps. Poderá fazer o zoom necessário para ver a rota em pormenor ou exportar para o GPS como preferir. Clicando no canto superior esquerdo, é também possível ler a legenda do mapa em detalhe. Pretende utilizar este mapa no seu aparelho de navegação e não sabe como o fazer? Consulte aqui o nosso artigo já publicado.
- Locais de interesse histórico e natural
- Restaurantes
- Alojamentos
- Quilómetros totais: 800km
- Tempo de roteiro recomendado: mínimo 2 dias
Um grande OBRIGADO pelo vosso trabalho. Portugal é mesmo lindo e em 2 rodas conseguimos ter uma perspetiva que nunca conseguiríamos por exemplo de carro. E o vosso trabalho aliado ao prazer que vos dá e que deixam transparecer é uma mais valia gigante. Muitas Felicidades
Muito obrigado por esta mensagem Maria! É mesmo isso! Um grande beijinho nosso e felicidades 🙂
Excelente Roteiro!! Obrigado aos Câmara!