Foi pelas serras da Arada, São Macário e da Freita que revisitámos a região entre Arouca e São Pedro do Sul, para mais um roteiro de viagem de mota por Portugal. E, se a nossa última visita (aqui) havia sido feita com uma capa de nuvens no céu em dias sombrios mas por entre os mágicos cores outonais, desta vez a Primavera apresentou-nos a serra com as esplendorosas cores da estação florida, e a luz do sol. A passagem pela estrada do Portal do Inferno e Garra foi, sem dúvida, um dos momentos altos da nossa viagem. Mas para onde quer que se vire, uma estrada que deve ser percorrida nos aguarda. Ali encontramos uma das estradas da nossa eleição de roteiros panorâmicos pelo Norte de Portugal.


Sobre a região
Estamos geograficamente, entre São Pedro do Sul e Arouca, no Maciço da Gralheira. O Maciço da Gralheira é o conjunto montanhoso que integra a Serra da Freita, a Serra da Arada, a Serra de São Macário e a Serra do Arestal. Guarda em si paisagens únicas, um património incontornável e muitas estradas de sonho para percorrer de mota. Está situado maioritariamente nos distritos de Aveiro e Viseu e este conjunto de elevações separa, e alimenta, as bacias hidrográficas dos rios Paiva, Douro e Vouga. Por ali a paisagem só poderia ser profundamente interessante.
Um sistema de cordilheiras de montanhas muito irregulares, onde o xisto e o granito modelam a paisagem, e as diversas falhas geológicas que o atravessam lhe conferem um estatuto especial, e caoticamente belo. Uma sucessão de vales profundos e alinhamentos montanhosos, cujo ponto mais alto de encontra na Serra da Arada, a 1119 metros de altitude.
Com uma extensa mancha natural, o Maciço da Gralheira possui zonas de forte densidade florestal que sofreram com os incêndios dos últimos anos. Agora, regeneram-se a cada dia entre planaltos e os numerosos vales de baixa altitude. Assistir ao seu esforço é uma viagem recompensadora e a nossa maneira de lhes prestar a merecida homenagem.

Os contrastes das serras
Por estas serras encontramos aldeias perdidas no tempo como Drave ou a Aldeia da Pena, quedas de água majestosas, edifícios históricos, miradouros de cortar a respiração. Todos unidos por uma rede de estradas sugestiva, entre os grandes contrastes das serras. Do relevo áspero e imponente, ao austero planalto onde só florescem matos rasteiros. Dos profundos vales atapetados por denso arvoredo aos picos montanhosos com belas vistas panorâmicas.
A Serra da Arada foi a porta de entrada eleita para subir às alturas. É a partir dela que iniciamos a descoberta de um património geológico de importância internacional e um roteiro panorâmico digno das melhores estradas de Portugal.


A caminho do Portal do Inferno e os locais a visitar no paraíso
Miradouro Serra da Arada
Vindos de São Pedro do Sul, paramos em Vouzela para abastecer as nossas bagagens com os pastéis tradicionais. Em algum momento do nosso passeio encontraremos o local ideal para os saborear. Certo é, que é quase impossível permanecer indiferente às ruelas do centro histórico de Vouzela e seguir sem uma paragem.
Num dia soalheiro de Primavera, com o horizonte livre de neblinas, as cores lilás e amarelo pintam as montanhas que se agigantam no horizonte. Ansiamos para as percorrer de ponta a ponta e para lá seguimos determinados.
Deixamos para trás a N16 que, apesar de curvilínea e de bom pavimento, é demasiado povoada para nos permitir dela desfrutar. Gostamos de fugir de estradas assim, acreditando que é para lá delas que a riqueza de que Portugal é feito ainda nos consegue surpreender.
Seguimos pelas pequenas estradas
Entramos na Serra da Arada pela pequena R326. A estrada regional 326 que nos leva ao miradouro serrano, por entre um estreito percurso em altitude. De pavimento não nas melhores condições, mas sem dúvida com os melhores panoramas. A serra está linda. Para onde quer que se olhe tudo é um manto florido. Cheira a terra molhada. Nos últimos dias a chuva caiu com afinco. Cheira ao perfume das flores silvestres. Ouve-se o chilrear dos passarinhos e o zumbido das abelhas que sobrevoam agitadas na sua busca pelo pólen. Algures nas encostas mais abrigadas, distinguem-se as dezenas de colmeias que guardam o mel, o precioso tesouro de tão nobre animal. O sossego de tão encantada paisagem, deve-se ao facto de este ser um dos acessos menos comuns às montanhas. Deve justificar o facto de por lá não nos termos cruzado com vivalma.
Continuamos a subida da Serra da Arada com destino ao São Macário, que avistamos ao longe. Agora, em pleno na cumeada da montanha, avançamos pelas estradas cujo traçado se perde no horizonte infinito, e florido. A sua natureza bravia determina que ali só florescem matos rasteiros. Traços da personalidade bem vincada dos locais de altitude superior.


Drave, a Aldeia Mágica
Os caminhos da serra estão sinalizados. A dada altura, surge-nos a indicação para a aldeia de Drave por um caminho fora de estrada. Avistamos ao longe a aldeia protegida pelas montanhas, aninhada nas suas encostas. Drave é a chamada ”Aldeia Mágica”. Um local ainda sem electricidade, água canalizada, telemóvel ou qualquer outro tipo de infra-estrutura. A vida ali permanece parada no tempo e Drave é ainda um mistério sublime. Feita de casas de xisto, a rocha dominante em redor, é atravessada pelas águas da ribeira que escoa das montanhas. Para lá chegar é necessário percorrer 4 km de uma estrada (sem pavimento) que rasga a colina em zigue-zagues sucessivos.
Drave é aquele cantinho precioso que acreditamos que deve ser visitado durante uma caminhada, fora dos nossos fatos de motociclistas. Seguimos rumo ao São Macário. Drave fica para trás. Parada no seu sossego, longe do ecoar do nosso motor que ali acreditamos não ser bem vindo. Afinal, parte do seu encanto é a sua tranquilidade e dificuldade de acesso que a protege de forasteiros em massa.
Informações práticas do acesso a Drave:
- Distância: 4 km (para cada lado)
- Tempo de caminhada: 1 hora ( para cada lado)
- Condições da estrada: inclinada, curvilínea e feita de pedra solta
- Conselhos: Não indicado para motas com pneus de estrada, motas de touring ou até mesmo big trails cujos condutores não tenham experiência em percursos fora de estrada com alguma dificuldade.
- Um acesso off road via CM1123 (indicação detalhada no mapa abaixo)
- Um acesso via Regoufe pelo trilho pedestre PR14 Aldeia Mágica
Aldeia da Pena
Seguimos para a Aldeia da Pena e a explosão de cores continua. Os picos pontiagudos de xisto avistam-se ao longe e são um convite para seguir viagem. Instalada num profundo vale, o acesso por estrada à Aldeia da Pena representa um vertiginoso percurso. Lá no fundo, está o casario de xisto que parece emoldurar o vazio.
A estrada é totalmente pavimentada, mas as derrocadas do Inverno são visíveis e à medida que a descida se acentua, contamos que na próxima curva esteja mais um bocadinho da estrada em falta. Avançamos até que ela nos permita e voltamos para trás pelo mesmo caminho, após uma curta caminhada por entre as ruas de pedra da aldeia.


Santuário de São Macário e o ponto alto da serra
Segue-se a subida ao alto de São Macário e seu santuário. Ali, encontramos a igreja e a gruta aninhadas na encosta sul da montanha e o Santuário no topo. Agora, no local está o baloiço panorâmico que nos convida a apelar à criança que há dentro de nós. Avistamos o infinito mundo de estradas e trilhos que a serra oferece enquanto balouçamos. Numa mão estamos a agarrar-nos à corda, e com a outra agarramos o pastel de Vouzela que tínhamos nas bagagens.
Desejamos ali voltar só para percorrer a serra além das estradas com pavimento. Relembrando os tempos em que as nossas descobertas eram feitas pelas botas de caminhada, ao invés das rodas da nossa mota.


Portal do Inferno e Garra, a estrada num paraíso geologicamente infernal
Situado em pleno coração do Maciço da Gralheira, a cerca de 1000 metros de atitude, a estrada do Portal do Inferno e Garra atravessa um dos mais espectaculares locais de Portugal. E é um dos pontos altos deste roteiro. A estrada segue pela linha de cumeada de um maciço rochoso metassedimentar, onde os agentes de geodinâmica externa incutem à paisagem um relevo profundamente escarpado.
Avistando este local ao longe, imaginamos uma estreita estrada que ondula fortemente pela estreita zona mais alta da montanha que atravessa. Um sítio de íngreme passagem que amendrontou por muitas gerações todos os que por ali passaram. O local é rodeado por duas ribeiras que drenam em sentidos opostos: ribeira de Covas do Monte e ribeira de Palhais. E é na Primavera que os panoramas se encontram no auge da sua avassaladora beleza. Tudo em redor fica pintado de amarelo e rosa, porque a carqueja, o tojo e a urze estão em flor.


Minas de Regoufe, o complexo mineiro em ruínas
Fazemos um pequeno desvio à estrada do Portal do Inferno para conhecer a aldeia de Regoufe. ”Atenção! Área mineira desactivada”. É a sinalética que se lê junto à estrada principal que nos leva às Minas de Regoufe, agora em ruínas.
Tal como as suas vizinhas Minas de Rio de Frades, o volfrâmio era o principal minério extraído daquelas montanhas. Também conhecido como tungsténio a sua exploração intensiva foi conhecida em meados do século passado como a Febre do Ouro Negro. Actividade que teve o auge da sua exploração durante a II Guerra Mundial. Regoufe uma exploração inglesa e Rio de Frades uma alemã. Dois grandes complexos mineiros esquecidos em redor de uma riquíssima área natural, irreversivelmente modificada pela sua intervenção.
Seguimos para uma curta caminhada pelo trilho pedestre que ali se inicia PR13- Na Senda do Paivô. Deambulamos pelas ruínas das infraestruturas das minas, imaginando a azáfama que por ali seria há mais de meio século atrás.
(Na aldeia de Rio de Frades é também possível uma caminhada para explorar as ruínas das minas que nos levam à Cascata de Rio de Frades através do PR8 – Rota do Ouro Negro)



No coração Serra da Freita
Seguimos até ao coração da Serra da Freita depois das mil e uma curvas da estrada M507. Depois de breve espreitadela ao miradouro Panorâmico do Detrelo da Malhada, estamos agora numa pequena estrada de calçada de pedra. É neste planalto inóspito que encontramos os ares da Escócia e das suas Terras Altas. Assim foi a primeira vez que visitámos esta região, ainda sem conhecer terras de sua majestade, e assim o é depois de termos percorrido o país de ponta a ponta. Aqui estão, sem dúvida, umas mini Terras Altas em Portugal.
A vegetação selvagem rasteira, as vacas que pastam livremente pelos campos, os riachos gelados que escorrem a baixa velocidade, os musgos que revestem os rochedos. Ali o arvoredo é raro e pontualmente surge a silhueta de uma gigante árvore no horizonte. Quase como uma miragem. Um oásis no deserto. A Serra da Freita e as suas Terras Altas.



Pedras Broas do Junqueiro
Existem várias formas de interesse para visitar a Serra da Freita. Seja pelos seus inúmeros trilhos para caminhada ou todo o terreno, seja pelas suas estradas panorâmicas de beleza fabulosa, seja pelos locais de interesse natural como os miradouros ou cascatas, pela rica gastronomia serrana, ou pelo interesse geológico ao visitar as dezenas de geossítios por lá referenciados. São 41 no total que podem ser consultados aqui.
E que tal unir um pouco de todos eles? Nós assim o fizemos e a paragem seguinte foi para conhecer o afloramento granítico das Pedras Broas do Junqueiro, com a sua peculiar forma de erosão. Mas muitos outros se multiplicam pela serra. Os geossítios são locais de interesse geológico que se diferenciam pela sua singularidade e elevado valor científico. Sendo a engenharia geológica a minha área de formação, seria de esperar que este tipo de locais exercesse em mim um magnetismo especial. Afinal, a Serra da Freita fora outrora a minha sala de aula a céu aberto. Muitas foram as vezes que a percorri a pé enquanto estudante. Hoje, a revisitamos uma vez mais e é com saudade que recordo cada pedacinho desta serra.



Frecha da Mizarela
Seguimos para a Frecha da Mizarela na povoação de Albergaria da Serra. Ali, encontramos um espéctaculo natural digno de ser apreciado e uma estrada de acesso ao miradouro que estimula os nossos batimentos cardíacos. Estamos no ponto da Serra da Freita onde o rio Caima se projecta a mais de 60 metros de altura, criando uma das mais altas e belas cascatas de Portugal. A Serra do Alvão está para as Fisgas do Ermelo como a Serra da Freita está para a Frecha da Mizarela.
Para um olhar mais atento, a partir do miradouro é possível observar as diferentes litologias que combinadas permitem a criação de local tão especial. De um lado os granitos, uma rocha mais dura e resistente à erosão das águas fluviais e do outro os micaxistos, uma rocha mais branda e macia que tornam a erosão fluvial mais eficaz. Tudo isto combinado com um complexo sistema de falhas que modela toda a Serra da Freita, cria a peculiaridade da Cascata da Frecha da Mizarela. A Natureza cria e nós apreciamos, agradecendo.
As pronunciadas montanhas em redor, apresentam escarpas revestidas de arvoredo por entre os arbustos selvagens pintados de amarelo. Rododendros, carvalhos e muitas outras espécies raras fazem parte da vegetação original desta encosta serrana.
A estrada para lá do miradouro
A partir do miradouro da Frecha da Mizarela, a estrada que até ele nos leva continua por um íngreme e estreito percurso. A dúvida sobre se terá saída ou local onde será possível virar uma mota de touring é o que acrescenta adrenalina ao percurso. O João segue por ali abaixo com a confiança de quem já foi um dia lá espreitar! No final da estrada, está uma pequena aldeia praticamente em ruínas e inverter a marcha é possível sem preocupações.


Informações práticas para uma viagem de mota
- Desta vez centrámos o nosso roteiro na Serra da Arada e por lá passámos a maioria do nosso tempo. Mas anteriormente publicámos um outro roteiro pela região onde rumámos a Serra da Freita pela sua vertente Oeste. Aqui mais informações.
- Deixamos ainda por explorar neste roteiro de mota toda a zona a Norte da Serra da Freita. A zona de Arouca e Alvarenga onde outras inúmeras zonas merecem ser visitadas. Se pretende continuar pela região consulte aqui o nosso roteiro pela Serra de Montemuro a partir de Alvarenga.
- As estradas nem sempre são da melhor qualidade. Mas a subida ao Maciço da Gralheira recompensa com os panoramas que por lá contemplamos. A condução deve ser feita com esse cuidado. Haverá sempre alguns abatimentos, deslizamentos ou escorrências que deixam o piso sujo. Especialmente nas zonas de maior altitude ou muito sombrias.
Onde dormir na região
- Hotel Rural da Freita (junto à Cascata da Frecha da Mizarela)
Onde comer na região
- Restaurante Mirafreita (Serra da Freita)
- Restaurante Salva Almas (Serra de São Macário)
Mapa detalhado do roteiro de viagem de mota com passagem na Estrada do Portal do Inferno, pelas Serras da Arada, São Macário e Freita.
Para consultar o mapa em detalhe, clique sobre ele ou utilize o canto superior direito para abrir directamente na página do Google Maps. Poderá fazer o zoom necessário para ver a rota em pormenor ou exportar para o GPS como preferir. Clicando no canto superior esquerdo, é também possível ler a legenda do mapa em detalhe. Pretende utilizar este mapa no seu aparelho de navegação e não sabe como o fazer? Consulte aqui o nosso artigo já publicado.
- Quilómetros totais: 280 km
- Duração da viagem sugerida: mínimo 2 dias
Sugestão de roteiros a incluir numa viagem pela região
Etapa anterior: Roteiro pela Serra da Freita, as Terras Altas em Portugal
Etapa seguinte: Roteiro de viagem de mota pela Serra de Montemuro | Portugal
Trabalho magnífico. Parabéns. Obrigado pela partilha visual.gostaria de partilhar no meu site.